segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Pequeno conto sobre a infância


Ah! A criança brincava com os brinquedos que a mãe proibia. Ela não entendia por que não podia apostar corrida com o irmão mais velho, tampouco por que suas roupas tinham que ser todas cor-de-rosa e as dele, azuis. Ela era fascinada pelos carrinhos,aviões, e bonecos de super-heróis que o irmão fazia coleções. De dentro do quarto,ela via o irmão brincar com os amiguinhos, fazendo sons com a boca e gesticulando com os bonecos. Ela olhava pelo buraco da fechadura,
ouvia atentamente à brincadeira e fechava os olhos, fingindo brincar com eles. Era esse o seu passatempo preferido, já que sua mãe proibia terminantemente "brincadeiras que não fossem de menina". E ela foi crescendo. Brigava com a mãe, por que queria tomar banho junto com o mano, sair com ele e se divertir. Ela se sentia presa. Entristecia e se trancava. Certo dia, no auge de seus oito anos, saiu escondida da mãe. Na ponta dos pés, correu para a rua onde seu irmão jogava futebol com os amigos. Juntou-se a eles e, pela primeira vez, jogou bola. Adorou. Correu, se sujou, suou; sentiu-se livre. Era tudo o que ela queria. Jamais se sentira tão bem. Voltava para casa no final da tarde, quando sua mãe a avistara na rua, em meio aos garotos. Repreendeu a menina secamente. Levou-a para casa e prometeu um castigo severo . Ela não entendia o por quê do corretivo e, embora sentindo dor, estava realizada. Ela aprendeu que haviam coisas de menino e coisas de menina. E cada vez que desobedecesse as ordens maternas, levaria uma bela surra. Mas nem se importava tanto. Afinal, o que significavam uns hematomas em troca de um momento de felicidade? Seu irmão inquieto, trazia a namorada para apresentar à família. Quando a moça chegou, ela deu um pulo da cadeira, e num sobressalto, fixou os olhos na garota. Nunca vira alguém tão lindo em toda sua inocência de onze anos. Ficou ingênua de paixão. Na escola, arrumou amiguinhas das quais não desgrudava nunca. Levava-as para casa, brincava de
mamãe e mamãe com elas. De menina-moça, aos quatorze anos, tropeçou na professora nova e caiu, mas não de desequilíbrio. Ah, os primeiros amores! Detestava maquilagem, mas mesmo assim se maquiava. Queria tanto impressionar a educadora. Tinha por ela tanta admiração, e vontade de ficar perto daquela mulher. Um dia entendeu que o nome do que sentia era Amor. Amou intensamente. Com o passar do tempo, viu-se tão infeliz. Queria mudar. Cortou o cabelo, comprou roupas iguais à do seu irmão, abandonou o estojo de maquilagem de uma vez por todas e passou a andar com as pessoas que sua mãe maldizia. Na rua, as pessoas notavam, e de quando em vez, largavam comentários inoportunos. Mas ela nem ligava., pois estava feliz daquele jeito. Dentro de casa, a mãe constantemente a olhava com ar de reprovação. A avó se omitia. Até seu irmão fazia piada de seu jeito de se vestir. A família a ignorava completamente. Desprezada, e sentindo-se solitária, buscou conhecer pessoas novas. Conheceu uma moça de outra cidade, que ofereceu-lhe porto seguro, e logo tornaram-se grandes amigas. A amizade durou até o dia em que ela se declarou. Ouviu coisas terríveis a seu respeito e ganhou uma inimiga. Chorou, sofreu, desejou morrer. Recuperada, foi estudar numa universidade longe de casa. Lá conheceu tantas pessoas, algumas poucas se importavam com o seu jeito. Uma, em especial, a olhava de longe, até que fora notada. A garota, hoje, aos dezenove anos, não sabe mais o que é família, mas tem bons amigos, e o principal, vive um grande amor, como sonhava na infância. Só não sabia que seria ao lado de outra mulher.

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